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Entrevista | Fernando Comin fala sobre ações do MP, democracia, eleições e Plano 1000

Por: Marcos Schettini
31/05/2022 17:11
Rodolfo Espínola/Agência AL

Fernando da Silva Comin enfrentou grandes desafios desde que assumiu no cargo de procurador-geral de Justiça em 2019. Como chefe do MPSC, teve que enfrentar os problemas provocados pela pandemia de coronavírus, que exigiu muito das instituições de Estado e estimulou que novas ferramentas fossem desenvolvidas com objetivo de aproximar o cidadão na busca por Justiça.

Convicto de que muitos avanços aconteceram no Ministério Público, Fernando Comin concedeu entrevista exclusiva ao jornalista Marcos Schettini e apontou ações executadas para garantir que inúmeros setores mantivessem suas atuações. O procurador-geral de Justiça ainda falou sobre os trabalhos do Gaeco no combate à corrupção e ao crime organizado e afirmou que é obrigação de todos desmascarar as fake news, que causam graves lesões sociais quando não combatida.

Ao ser questionado sobre os movimentos da oposição ao governador Moisés, que supõem irregularidades no Plano 100, Comin comentou que “seria absolutamente prematuro, neste momento, sem uma profunda investigação, com a avaliação de todas as nuances que envolvem o projeto, reconhecer ou afastar eventual ilegalidade”. Confira:


Marcos Schettini: Quais são os avanços que o senhor construiu no Ministério Público que o cidadão possa observar?

Fernando da Silva Comin: Quando assumi o cargo de procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina, em 2019, não imaginava que no ano seguinte enfrentaríamos uma pandemia. Ressalvadas as grandes guerras, nenhum outro fenômeno da idade contemporânea suplantou os limites de fronteiras, costumes e grau de desenvolvimento das nações para nos atingir e nos testar. Fomos testados como pessoas, como nação, como instituições e como Estado. Fomos testados na ciência, na saúde, na economia, na política, nas comunicações e na própria forma de ser da sociedade contemporânea.

Tivemos que pensar e implementar soluções para problemas nunca antes vividos. Muitas vidas foram perdidas, medidas de prevenção e de controle foram essenciais em certo momento e a vacinação está sendo importantíssima para o declínio da pandemia de Covid-19.

Essa contextualização é importante porque nós não nos omitimos em momento algum. O Ministério Público de Santa Catarina não se encastelou, não deixou de buscar formas de se aproximar da sociedade e se reinventou para continuar a ser útil na vida das pessoas. Procuramos saber quais eram as necessidades do nosso povo, contribuímos com protocolos para que a indústria não interrompesse a produção, para que o comércio funcionasse em segurança e para que os hospitais pudessem agir na missão de salvar o maior número possível de vidas de catarinenses.

Trabalhamos pela construção de um protocolo inédito de retomada das aulas presenciais em nosso Estado. Foram muitas as frentes de atuação: saúde, economia, direito do consumidor, moralidade administrativa, área criminal. Atuamos de forma solidária, responsável e, sempre que necessário, rigorosa. Foram, por exemplo, mais de 5 mil medidas judiciais e extrajudiciais de enfrentamento à Covid-19 e foram repassados aos municípios mais de R$ 15 milhões para auxiliar no combate ao coronavírus.

Para além da pandemia, seguimos com toda a nossa atuação rotineira tanto nos primeiros dois anos da primeira gestão como nesses anos após a recondução. Nossa meta sempre foi estar mais próximos da sociedade e fazer entregas que fizessem sentido na vida das pessoas. Das 155 iniciativas que constam dos nossos dois planos de gestão institucional (2019/2021 e 2021/2023) já finalizamos 111, o que representa 82,45% do total.

Promovemos mudanças estruturais, com a criação, por exemplo, do Núcleo de Combate a Crimes Funcionais praticados por prefeitos; intensificamos o combate às facções criminosas e à corrupção com a criação de oito regionais do Grupo Especial Anticorrupção, o GEAC, e a sua integração com os Gaecos; ampliamos o diálogo interinstitucional com órgãos de Estado, com a iniciativa privada e com a sociedade; instituímos uma política de inovação e lançamos diversos projetos, como a chatbot Catarina (a assistente virtual do MPSC) e o aplicativo MPCatarina, que possibilita que o acesso aos serviços oferecidos pela Instituição à população seja ainda mais democrático.

Também criamos mecanismos para o enfrentamento dos crimes de racismo, de intolerância, de violência doméstica e de atendimento às vítimas de crimes. Estão em pleno funcionamento o Núcleo de Enfrentamento aos Crimes de Racismo e de Intolerância (Necrim), o Núcleo Especial de Atendimento às Vítimas de Crimes (Neavit) e o Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar e contra a Mulher em razão de gênero (Neavid).

As Promotorias de Justiça também seguiram trabalhando nas nossas mais diversas áreas de atuação. No combate à sonegação de impostos, por exemplo, no ano passado foram oferecidas 2.052 ações penais para buscar a recuperação de mais de um R$ 1 bilhão de recursos para os cofres públicos, e recuperamos mais de R$ 600 milhões sonegados. No ano passado também foram destinados mais de 1 milhão de reais às forças de segurança pública do Estado por meio do Fundo de Penas Alternativas, dinheiro de transações penais, suspensões condicionais do processo e acordos de não persecução penal.

Enfim, meu amigo Schettini, o Ministério Público de Santa Catarina é uma instituição que presta um serviço extremamente relevante para a sociedade catarinense, especialmente aos mais vulneráveis. Diante de todo o trabalho que estamos realizando, tenho certeza de que vamos deixar um Ministério Público muito mais próximo do cidadão, com entregas que fizeram e fazem diferença na vida da nossa gente.

Schettini: Os movimentos do Gaeco para proteger o patrimônio financeiro e material do cidadão têm aumentado. A corrupção não tem fim?

Comin: Intensificamos o combate à corrupção e às facções criminosas nos últimos anos. Regionalizamos os Grupos Especiais Anticorrupção (Geac), que passaram a atuar de forma integrada com os oito núcleos do Gaeco. Desde então, já realizamos centenas de apurações e de prisões em casos de crimes contra a administração pública, corrupção, fraudes e outros ilícitos que envolvem a coisa púbica. São operações de alta complexidade.

O nosso Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro, por exemplo, identificou no último ano ativos com indícios de ilicitudes em mais de R$ 32 milhões. A lavagem de dinheiro é um crime invisível que acoberta outros crimes, como tráfico de armas, drogas e pessoas, extorsão e corrupção. Os criminosos estão cada vez mais especializados, especialmente nos meios digitais. Por isso criamos o Cyber Gaeco, em conjunto com a Polícias Civil e Militar, ou seja, uma força-tarefa especializada em crimes praticados por meio da internet, da deep web e de outros meios digitais.

A corrupção não pode ser banalizada. É preciso agir com rigor para reduzi-la ao máximo. A corrupção prejudica a saúde, a educação e a segurança. O nosso sistema legal e até mesmo o sistema de justiça deveriam ser aperfeiçoados significativamente para gerar um incremento ainda maior nos resultados contra esse tipo de criminalidade.


Schettini: Se o MP é uma grande ferramenta de voz da cidadania, como fazer o cidadão se aproximar da instituição?

Comin: O Ministério Público de Santa Catarina nunca esteve tão próximo, conectado e presente na vida das pessoas, apesar de a pandemia ter nos afastado fisicamente por algum tempo. Com a pandemia, aliás, tivemos que nos reinventar como instituição de forma muito célere a fim de garantir o pleno acesso dos cidadãos aos serviços que o Ministério Público presta. A tecnologia tem sido uma aliada nesse processo.

Passamos a atender por vários canais. Atendemos por videoconferência, por WhatsApp e até criamos uma atendente virtual, a Catarina, que já realizou quase 100 mil atendimentos. Além disso, todas as Promotorias de Justiça estão de portas abertas, porque nada substitui o contato, o olho no olho. O atendimento ao cidadão é nosso dever, é a nossa função primordial. O cidadão é a razão e a essência da existência da nossa instituição.

É esse contato diário que faz o promotor e a promotora de Justiça interpretarem o que a sociedade espera do Ministério Público. Somos guardiões dos avanços que tivemos na defesa dos direitos fundamentais, na defesa dos direitos humanos, que foram conquistados à custa da morte de muitos inocentes.

Schettini: Temos eleição em outubro. Como o senhor observa a Democracia?

Comin: A construção da democracia faz parte de um processo histórico e cultural. Apesar de sua essência ser conflituosa, é na democracia que o povo tem voz, que cada cidadão pode participar, direta ou indiretamente, das decisões e dos rumos de sua nação. Afinal de contas, a representação de uma sociedade multicultural e heterogênea sempre irá opor ideias e representações de grupos.

A democracia requer instituições representativas em todos os níveis. É a divisão de poderes do Estado entre suas instituições que garante a prevalência da vontade da maioria sem o desrespeito aos direitos e interesses das minorias.

A história nos mostra que, sem a vigilância constante e harmônica dos Poderes e a solidez das instituições de controle e preservação da democracia, nenhum Estado de Direito estará imune ao perigo de degenerar-se em um Estado totalitário, sujeito aos arbítrios do poder político na manipulação dos sistemas jurídico-constitucionais para servirem exclusivamente ao interesse dos próprios governantes.

É importante reforçar que o nosso maior desafio é continuarmos defendendo os mesmos valores e objetivos democráticos sem sermos capturados por um perigoso reducionismo ideológico de qualquer ordem que possa caracterizar retrocesso nessa longa caminhada da consolidação democrática do nosso país. Não há qualquer outro regime que possa ser melhor do que a pior das democracias.


Schettini: Os ataques que o Judiciário tem recebido das alas de extrema direita não são um sinal de perigo?

Comin: Nos últimos anos tivemos sucessivos ataques a conquistas importantíssimas para a sociedade e a órgãos de combate à corrupção e à macrocriminalidade. Uma dessas propostas foi a PEC 05, que enfraquecia a atuação combativa do Ministério Público em defesa da sociedade.

O projeto que estava tramitando no Congresso Nacional destruía o modelo constitucional do Ministério Público e permitia interferência política direta na atuação do Promotor de Justiça e da Promotora de Justiça. Extinguia a atuação independente dos membros da Instituição e usurpava as funções do próprio Poder Judiciário, pois permitia a revisão dos atos que iriam interferir na denominada “ordem pública, organização e independência das organizações”.

Assim como a PEC 05, tivemos outras propostas com o único propósito de assegurar a impunidade. As alterações provocadas na Lei de Improbidade, por exemplo, trouxeram algumas mudanças danosas ao arcabouço jurídico de combate à corrupção.

Os tempos são difíceis e é necessário seguir alerta, mas, felizmente, a sociedade brasileira tem estado vigilante. Sem o seu apoio jamais lograríamos êxito em nossa cruzada pela defesa da Instituição sem ingerência política no combate à corrupção, à criminalidade e em áreas como saúde, consumidor, segurança pública e combate à violência doméstica.


Schettini: Como combater o crime das fake news?

Comin: O trabalho da imprensa livre, independente e combativa e a comunicação de interesse público desenvolvida pelas instituições e órgãos públicos, como o Ministério Público de Santa Catarina, são antídotos contra as informações falsas.

O combate à desinformação é algo que deve ser perseguido por todos. Antes de compartilhar qualquer informação é preciso checar, procurar fontes seguras. A propagação de uma notícia falsa pode trazer grandes prejuízos à população.

É preciso ficar claro que o direito à livre manifestação do pensamento, como todo direito fundamental, pressupõe um exercício responsável e com o respeito aos demais direitos.

Schettini: A chamada graça dada a Daniel Silveira, um criminoso da Democracia, não é um aditivo para fragilizar as eleições?

Comin: A graça, assim como o indulto, são institutos jurídicos previstos na Constituição Federal e no próprio Código Penal. Ambos são concedidos pelo presidente da República e têm como consequência extinguir a punibilidade daquele agente que foi condenado por um crime. Trata-se de um ato eminentemente político do chefe de Estado. O presidente da República, ao conceder a graça ao deputado Daniel Silveira, agiu dentro das competências constitucionais que lhe são atribuídas. Não acredito que essa medida possa fragilizar as eleições, uma vez que, como já mencionei, temos instituições fortes e um processo eleitoral bastante desenvolvido e seguro. Todavia, esse episódio em nada contribui para a harmonia dos Poderes constituídos e para a estabilidade política, tão necessárias, no momento atual, para o desenvolvimento do país e para diminuir as tensões sociais.


Schettini: O senhor acredita em golpe militar ou no não acontecimento das eleições?

Comin: Temos uma democracia sólida. Na sua essência ela é conflituosa, porque, como já comentei, a representação de uma sociedade multicultural e heterogênea sempre irá opor ideias e representações de grupos. A Constituição Federal de 1988 é com certeza o maior marco democrático da história do nosso país. Vivemos muito tempo num regime ditatorial e de repressão às liberdades. A Constituição de 1988 institucionalizou direitos básicos a todos os cidadãos brasileiros e estabeleceu um sistema de freios e contrapesos. Na prática, esse sistema significa combater abusos e manter o equilíbrio entre os Poderes constituídos. A separação das funções estatais evita a concentração de poder nas mãos de uma única pessoa ou grupo. É claro que nenhum Estado de direito está imune ao perigo de degenerar-se em um Estado totalitário, todavia, não acredito que no atual estágio de nossa democracia haja espaço ou sentido em falarmos em golpe militar. É necessário mantermos a independência, o respeito e a harmonia entre os Poderes para evitar fragilizar o Estado Democrático de Direito.

Schettini: Estão falando que o governador Carlos Moisés está fazendo do Plano 1000 uma alavanca eleitoral? O senhor vê ilegalidade?

Comin: Não é novidade, nas vésperas de eleições, a existência de questionamentos das ações administrativas adotadas pelos governantes. Isso é natural de qualquer disputa eleitoral. O importante é que o Ministério Público está apto a apurar qualquer denúncia de irregularidade que lhe seja dirigida, de forma que seria absolutamente prematuro, neste momento, sem uma profunda investigação, com a avaliação de todas as nuances que envolvem o projeto, reconhecer ou afastar eventual ilegalidade. Nesse particular, é preciso deixar claro que uma eventual denúncia ao Ministério Público será apreciada pelo membro do Ministério Público, que, segundo as normas constitucionais, detém competência para realizar, de forma independente e imparcial, a análise dos fatos.

Schettini: O mandato do senhor à frente do MP termina quando? Como é feita a sucessão?

Comin: A atual gestão se encerra em abril de 2023. Fui eleito em 2019 e reconduzido ao cargo de procurador-geral de Justiça em 2021 em uma eleição com candidato único, um fato histórico na nossa Instituição. Podem concorrer ao cargo procuradores, procuradoras e promotores e promotoras de Justiça, com mais de 10 anos de carreira. Os candidatos para compor a lista tríplice são escolhidos pelos membros da instituição. Conforme a Constituição Federal, depois da eleição interna, a lista com os três nomes por ordem de votação é encaminhada ao Governador do Estado, que nomeia um deles. Historicamente os governadores têm nomeado o primeiro colocado na lista tríplice e, portanto, o mais votado pelos membros da Instituição. Essa prática é salutar para garantir a estabilidade e a autonomia da Instituição e é por ela que seguiremos lutando.


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